Confiança e Axé - Babalorixá Mozart de Iemanjá

03-02-2012 23:57

CONFIANÇA E AXÉ...
Texto de Pai Mozart de Iemanjá:

     Um dos momentos muito lastimáveis, dentro de uma casa de Batuque, se constitui da hora em que o sacerdote, com a intenção de manter o grupo religioso harmônico e equilibrado, é obrigado a mandar embora, por indisciplina ou outros motivos, um de seus filho de santo. Situação triste, e muitas vezes cercada de magoas e ressentimentos. Isso porque, quando um novo filho de santo vai integrar uma casa de religião, visto suas necessidades, e quantas vezes infelicidades, nele é depositado o axé da benção e “bandeira” do Orixá dono da casa, confiança, dedicação, e com o convívio muito carinho, como se ali se estabelecesse um clima familiar, onde deve haver sinceridade, respeito e hierárquia.
     As religiões de matriz africana são cercadas de mistérios fundamentais, que variam de lado a lado na forma de culto. São tradições, preceitos e princípios que norteiam, pelos séculos, a constituição religiosa de cada casa em torno do seu axé e dos Orixás. Tudo isso, através dos anos de convivência entre mãe ou pai de santo e seus iniciados, vai sendo passado pela verbalidade e pelo exercício nos rituais, ou seja, os “segredos de bacia” vão sendo transmitidos, a chegando nas mãos e ouvidos dos filhos de santo, em nome da confiança, amizade, zelo, respeito e sobretudo religiosidade, certamente na esperança do reparte do axé e do fundamento, que todos os sacerdotes querem ter bem disseminados, produzindo bons frutos para o primor da religião no amanhã. Quando um pai de santo transmite os fundamentos de sua goa, para um filho de santo, com certeza atesta neste ato confiança filial e zelo religioso, visto o desejo da perpetuação da crença e do seu lado de feitura.
     Foi graças a grandes religiosos do passado, que o presente da religião de Batuque se fez. Seguramente quando nossos antepassados, iniciaram alguns zeladores do presente, destes que ainda conseguem fazer da Nação, uma religião bem composta e digna de respeito, se viam depositando nos seus seguidores iniciados uma semente, com o objetivo maior de que estes se tornassem os elementos de continuidade religiosa do culto aos Orixás.
     Embora muitas sementes tenham se perdido pelo caminho, e não germinado, outras tenham se tornado híbridas ou miscigenadas e não tenham contribuído para o objetivo da pureza litúrgica originária, em nome da honestidade de intenções e da confiança na dignidade pessoal dos indivíduos, que receberam estes fundamentos dos saudosos e antigos, estes ancestrais fizeram sua parte. 
     Quando um filho de santo, dentro de uma casa de Orixá, toma para si um comportamento de rebeldia, indisciplina e excessos não condizentes com as regras religiosas e os métodos unificadores daquele grupo, está primeiramente incorrendo em agravo diante das Divindades, que a tudo observam, mas também, matando de alguma forma a essência da semente religiosa nele depositada para o futuro e o bem da religião dos Orixás.
     Casos mais graves também se observam. São aqueles dos iniciados que permanecem anos dentro de uma casa de santo, jurando fidelidade filial e religiosa, beijando literalmente as mãos e os pés dos zeladores, enquanto fora os apunhalam, questionando seus fundamentos em outras casas de diferentes lados de feitura, expondo a ridículo suas tradições e preceitos, e se integrando com grupos não afins, só para citar uns poucos exemplos, ou seja, traindo de forma vil, e sem vergonha na cara ou dignidade na alma, aqueles que diariamente entregam suas vidas ao sacerdócio honrado e cheio de afetividade a família religiosa que acreditam terem constituído. Fidelidade sacerdotal e filial, são fatos que a modernidade nos impõe questionar, para o futuro e a grandiosidade da crença.
     É preciso que os sacerdotes se invistam cada vez mais das suas condições hierárquicas, dentro dos templos, quando estes as possuem, pois somente com disciplina e ordem, conhecendo profundamente cada um dos seus iniciados, e se colocando na condição de mestre e não de igual, e que se poderá produzir hoje a semente da árvore que dará bons frutos amanhã.Existe uma passagem bíblica que diz: “testai as almas para ver se elas são de Deus...”Em nossa crença, no momento atual, poderíamos dizer: testai os santos no corpo das pessoas, para ver se são verdadeiros, e o caráter dos iniciados para confiar ensinamentos.